Afoxé Alafin Oyó
Cultura tradicional

Afoxé Alafin Oyó

Em referência aos orixás africanos, a banda Afoxé Alafin Oyó, de Pernambuco, animou a programação cultural da noite de 22 de julho de 2017, no XVII Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Com roupas típicas e pulsando musicalidade, a banda defende nas letras de suas músicas a identidade negra. Após o show, o repórter do Encontro, Eduardo Sá, conversou com um dos vocalistas e presidente da banda, Fabiano Santos, sobre o surgimento do coletivo e suas posições políticas. Para ele, vivemos num país racista e é preciso lutar por políticas públicas que garantam os direitos dos negros e sua inserção na sociedade.

Vocês não são apenas uma banda?
Somos a Associação Recreativa Carnavalesca Afoxé Alafin Oyó. Essa estrutura de palco foi uma forma que encontramos para ganhar visibilidade, inclusive para poder mostrar de forma mais aguda e contundente as músicas da população negra. Iniciamos com o cortejo, mas nos adaptamos ao palco para poder mostrar a um público mais amplo.  

Como se formou o grupo de vocês?
Surgiu de uma ala chamada Alafin, que era política, na década de 70 até 83. Fomos à rua depois de uma divergência com outro grupo, porque uma ala política queria fazer ações junto às secretarias de governo e outra queria só tocar no Carnaval. De contrapartida, a gente queria dar porrada em tudo que estava se posicionando para a Constituição de 1988 e as eleições Diretas Já. O Afoxé se consolida como Associação em 1986.

Vocês têm outras ações além da música?
A música é só um link, o nosso eixo principal é a religiosidade e a luta contra as mazelas humanas. A homofobia, o racismo, machismo e tantas outras. A não liberdade religiosa, mesmo garantida em nossa Constituição. Temos o patrão Xangô, que é o rei da justiça e travado em nosso corpo com todas essas lutas. Musicalidade é uma forma de link com mais autonomia e eficácia às pessoas. Nossas músicas são pautadas na religiosidade e luta contra essas mazelas.

Por que a necessidade de reforçar a questão da religiosidade africana?
Porque somos nós que estamos lá na favela e que sofremos. Existe uma coisa dentro da religiosidade africana, que é bem mais maléfica que qualquer outra discriminação. Na religiosidade de matriz africana o atacar não é só pela contemplação a um orixá; ele vai pelo desmonte da identidade do indivíduo. Esse é o grande problema. No período da colonização se desmontava a identidade misturando os negros para que assim eles não pudessem se comunicar. Assim facilitava o domínio e a utilização do trabalho, mas atualmente vale diabolizar para se desmontar e haver um grupo de negros pensantes que não reivindique tudo aquilo que é nosso. Não só os negros, mas os brasileiros de direito. Quando começamos a ocupar todos os espaços, garantindo a liberdade de ir e vir de qualquer cidadão, e ao dizer por que estamos naquele espaço, as pessoas começam a ficar com medo – aquelas que querem manter a hegemonia da direita, de uma classe e cor. 

Você acha que o Brasil é um país racista? 
Total, porque se não fosse racista não teríamos o maior público carcerário negro, maior público de fome e de excluídos marginalizados. Nós teríamos de fato aquilo que está garantido na nossa Constituição, que é uma das mais completas do mundo e a menos aplicada. Eficácia zero. Vivem dizendo que a comunidade negra é a minoria, mas a gente ocupa 51,5%. Então essa minoria burguesa, que gira em torno de 30%, é a minoria racista no Brasil. Não diria que a totalidade dos brasileiros é racista, mas eles são os que estão no poder manipulando e garantiram ali a manutenção de pai para filho e seus descendentes. 

Estamos num evento de cultura tradicional e popular. O que você pensa a respeito?
Venho de um estado (Pernambuco) que é muito forte nisso – o maracatu surge ali com seu corpo em 1800. Tem uma diversidade cultural muito grande, e dentro dessa totalidade tem uma identidade negra. A falta de reconhecimento dessa identidade é que ainda fragiliza e coloca a gente num patamar que faça com que a gente perca mais uma vez essa identidade. Quando digo que sou de cultura popular começo a perder a identidade de cultura popular negra; ou que sou simplesmente de cultura tradicional negra, que é mais antiga, e nos leva a um caminho ainda muito mais perigoso, que é o da disputa. Quando começo a estabelecer que sou o mais antigo e existe o mais novo, divide tudo em classe, mas se digo que todos temos uma identidade e que ela é preta, começo a unificar essa zorra toda. Outra coisa é que foi criada uma economia no Brasil há uns 15 anos justamente para fomentar essa cultura que estava sendo esquecida. O mais engraçado de tudo é que quem capilarizava e captava a partir dessa cultura na economia, não eram os protagonistas dessa história. A política de editais é falida. O Afoxé participa de vários festivais, mas nenhum deles é executado por quem tem uma matriz de cultura popular. Aqui eu sei que tem a Salamandra e lá em Brasília tem o Seu Estrelo, que tem uma galera que brinca de cultura popular. Mas os outros festivais que participamos ou são patrocinados pelo governo ou por uma minoria de produtores que em sua totalidade não é da cultura popular ou negra e ganham essa economia em nome delas. Há um problema aí de entendimento e de legitimidade de economia.

Como você tem visto o governo em termos de políticas públicas de incentivo à cultura?
Vejo de forma muita negativa, inclusive o Afoxé se negou a participar do último edital do Ministério da Cultura com prêmios de R$ 10 mil porque não funciona. Se o governo não é legítimo, não cabe a nós legitimá-lo por conta de um breve cachê. A política de matriz africana ou fomento a essa cultura não se dá simplesmente por um prêmio de R$ 10 mil. Porque, inclusive, vai para além da relação de dar o dinheiro. Ao reconhecer um governo, depois eu começo a estabelecer parcerias que necessariamente não passam pela grana. Eu te reconheço, legitimo e demarco geograficamente. Então espero que passe logo esse governo que se encontra em transição, pois ele não vai conseguir compreender esse formato da cultura popular. Não rola estabelecer uma relação hoje com o país, pois a gente não tem o Judiciário, um presidente, estamos sem governo. A maioria dos nossos representantes nas casas legislativas é a mesma que vive nos roubando. Não temos uma representação política no Brasil hoje, então não dá para se falar de política de fomento ou política pública hoje. Muito menos de uma política que possa se relacionar com outros países.

   

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