As Pastorinhas de Ibiracatu
Cultura tradicional

As Pastorinhas de Ibiracatu

O grupo As Pastorinhas é formado exclusivamente por mulheres que cantam e rezam durante os dias da Folia de Santos Reis, a festa que homenageia os Reis Magos. A manifestação que ocorre na pequena cidade de Ibiracatu, na região norte de Minas Gerais, é uma tradição passada de geração a geração, não tendo limite de idade para começar ou parar. Para Rosenilda Bernardo, de 22 anos, a tradição vem de berço: “Eu comecei desde criança, desde que dei conta de cantar”.

Na apresentação d'As Pastorinhas o passo é ritmado e o movimento é simples. Passos curtos da esquerda para a direita, e vice-versa, ditam o compasso das melodias e letras singelas, que remetem, principalmente, ao nascimento de Jesus Cristo. As personagens representadas pelo grupo remetem à cultura da região. A indígena, ou caboclinha, por exemplo, representa a ancestralidade indígena. O peixinho é o alimento; a borboleta, a paz; e a estrela-guia é a paz interna de cada um. As ciganas representam os Santos Reis, as lapinhas saúdam os santos e tem também a Rainha do Menino Jesus. “Cada uma tem a sua música própria e, para nós, são personagens que têm uma história focada nisso, que vêm de gerações antigas e já estão dentro da nossa cultura. Cada uma tem sua história relacionada à religião”, explica Rosenilda.

A quantidade de pessoas no grupo varia de ano para ano. No entanto, o número de personagens é limitado. Sendo assim, as demais integrantes são as pastoras, que ficam em volta das personagens. Não existe um número específico de pastoras, elas podem aumentar ou diminuir. Quanto às personagens, Rosenilda contou que podem chegar a até vinte. “As músicas também são as mesmas, desde os nossos avós. Não mudou a letra, continua a mesma cultura. Quando os livros rasgam a gente vai e faz outro, mas sempre com as mesmas letras que foram passando pra gente”.

O trecho de uma das letras, para apreciarmos a poesia:

"Deus lhe pague o seu agrado

Dado de boa vontade

Lá no céu e lá na terra

Um pombo vai voando

Por cima deste telhado

Vai voando e dizendo

Deus lhe pague o seu agrado..."

As Pastorinhas é uma manifestação cultural que acontece em diversas regiões do Brasil. Remete a um auto de Natal, que homenageia o nascimento do Menino Jesus e tem bases bíblicas: o tema da visita dos pastores está retratado no capítulo 2 de Lucas, versículos de 8-20; sobre os magos, encontramos no mesmo capítulo de Mateus, versículos 1-12.

Suas primeiras representações foram retratadas na Europa Medieval, nos bosques de Groccio, na Itália, em 1223.

Nos séculos XIII e XIV, popularizaram-se os presépios, com a representação da cena do nascimento e a inclusão de tipos populares e diferentes aspectos da vida do campo e das cidades. Aos poucos, já eram dramas representados, verdadeiro teatro religioso, estimulado pelos jesuítas no século XVI. Portugal foi o maior fornecedor dessas tradições para o Brasil e, já em 1583, aqui havia representações semelhantes. No Brasil, pequenas comunidades redesenharam a tradição e agregaram valor estético regional.

IBIRACATU - MINAS GERAIS

Em Ibiracatu, a festa ocorre entre os dias 1º e 6 de janeiro. Durante esse período, As Pastorinhas passeiam pelas casas da cidade, cantando das oito da manhã até as seis da tarde, parando apenas para comer e dormir. Nas letras, palavras sobre o nascimento e o batismo de Jesus Cristo, intercaladas aos versos que apresentam as personagens.  

Segundo Rosenilda, a tradição das Pastorinhas é, antes de tudo, uma manifestação de devoção. “Pra gente é uma cultura de devoção a esses santos. Nesse período das festas a gente sai fazendo apresentações nas casas, nos locais religiosos, e faz o arremate no dia de Reis. Então, pra gente é uma cultura religiosa. Funciona assim”, explicou.

Feita por gente simples e para gente simples, a manifestação mostra o empenho da pequena cidade em manter a sua ancestralidade. O município é composto por aproximadamente 6 mil habitantes, sendo as festas de Santos Reis um dos principais atrativos para turistas e visitantes.

A relação da cidade com o grupo é forte, tanto que as pessoas ficam esperando As Pastorinhas passarem por suas casas durante os festejos. “As pessoas da cidade já ficam esperando, recepcionam a gente, fazem lanches, são muito carinhosas. Às vezes quando a gente não passa elas ficam chateadas. Então, todo mundo já se mobiliza na época da festa e espera a gente passar”, conta Rosenilda.

Para ela, as experiências mais marcantes em seus anos junto ao grupo foram nas casas de pessoas mais velhas, que costumam se emocionar com as apresentações. “O que me marca mesmo são as pessoas de idade, é uma coisa que me emociona muito ver. Eu acho que eles lembram o que eles já passaram e quando veem uma geração mais nova, quando tem criança pequena que já canta e já faz tudo direitinho, eles acabam chorando. Eles se emocionam, pedem pra cantar mais, não querem que a gente vá embora. Então essas pessoas me emocionam, eles realmente gostam de ter o grupo na casa delas”, completou.

ENCONTRO DE CULTURAS

A colaboradora Sinvaline Pinheiro acompanhou as As Pastorinhas de Ibiracatu durante o XI Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, em 2011. Segue o relato:

De uma beleza singela e canto suave, o grupo As Pastorinhas se tornou referência na cidade de Ibiracatu, no Estado de Minas Gerais. É coordenado por Maria Aparecida Teixeira dos Santos, que está na devoção desde criança e hoje tem 43 anos de idade e três filhas que são pastorinhas - do que ela muito se orgulha. As crianças aprendem a ser pastorinhas e logo depois se tornam pessoas que trabalham pelo bem estar geral e pela crença na religiosidade.

O grupo se reúne todos os anos junto com a Folia para percorrer as casas da cidade, saudando o Menino Jesus, comemorando o seu nascimento.

A origem das Pastorinhas, segundo Maria Aparecida, foi a saudação ao Menino Jesus por todas as classes de pessoas, como a cabocla, a rainha, a cigana, a pastora e também por alguns seres como borboleta, peixe, formiga, estrela guia e outros. Com vestes  e prendas simbólicas, elas levam ouro, incenso e mirra ao Menino Jesus.

A rainha, imponente, sai à frente cantando, seguida de todas as outras, que fazem a roda cantando uma por uma a canção alusiva aos seus personagens. As pastorinhas chegam nas casas, com o canto da chegada. Após a cantoria, há a coleta das ofertas e logo depois o almoço. O dinheiro  vai para organizar a festa de encerramento no dia 6 de janeiro. Saem em círculo, cantando a música de adeus, seguindo para outra residência.

A música surge de acordo com as ideias das rezas, mas sempre dentro da religiosidade. Quando recebem a oferenda, saem em desfile cantando uma música de agradecimento:

"Deus lhe pague o seu agrado
Dado de boa vontade
La no ceu  e la na terra
Um pombo vai voando
Por cima deste telhado
Vai voando e dizendo
Deus lhe pague o seu agrado..."

O grupo é composto por 22 pessoas, sendo 12 pastorinhas e os músicos. Geralmente as meninas ficam muitos anos no grupo. Há o caso da dona Daia, que participou até o ano passado, já com 65 anos de idade. Porém, o trabalho da coordenação é formar novas pastorinhas para que a tradição continue.

Cida conta de sua fé e de alguns milagres que presenciou por meio da devoção das Pastorinhas: "No ano passado uma senhora de Montes Claros pagou promessa por ter se curado de uma doença do fôlego. Fez a promessa que, se melhorasse, acompanharia o ritual. O milagre aconteceu e ela serviu a comida por seis dias".

A  igreja católica apoia o ritual. Inclusive, é na igreja a primeira visita e, logo depois, na casa do chaveiro, que também é porteiro da diocese.

A coordenadora destaca um milagre: "Marcante foi o caso de uma menina de Belo Horizonte que foi atropelada se se machucou muito, ficou 40 dias na UTI. A mãe fez a promessa que se ela melhorasse ia ser rainha das pastorinhas". Essa menina, Isabela, foi uma dos muitos milagres comprovados pela fé no ritual das Pastorinhas de Minas.

   

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