Catireiros de Natividade
Cultura tradicional

Catireiros de Natividade

O grupo Catireiros de Natividade, no Tocantins, é formado por homens criados nas rodas de folia, cujos pais e avós também eram catireiros. Para eles, são heranças a batida do pandeiro e o toque da viola no compasso dos pés.

Vocalistas do grupo, Belarmino Rumão e Patrício Santana, além do violeiro Vanderlei e dos pandeiristas Geraldo, Januário e Gilberto, definem-se, antes de tudo, como foliões. Eles se sentem privilegiados em representar a cultura tradicional do município em outros lugares. 

Além de participações em algumas coletâneas de músicas regionais, em 2007 os Catireiros de Natividade lançaram seu álbum autoral. Gravado de setembro a outubro de 2006, traz 14 músicas referentes a Natividade, Nossa Senhora da Natividade, família, cotidiano, natureza e juventude. As composições são de autoria de Belarmino Rumão.


A CATIRA

A catira é uma dança tradicional brasileira praticada desde a era colonial. Uma herança da vida rural que é reproduzida não só na dança, mas na música e na vestimenta. Diversos autores dizem que a catira é conhecida desde os tempos coloniais e que o Padre José de Anchieta, entre os anos de 1563 e 1597, a incluiu nas festas de São Gonçalo, de São João e de Nossa Senhora da Conceição, da qual era devoto. 

Os estudos dizem que Anchieta teria composto versos nos ritmos da Catira, considerando-a própria para tais festejos, já que era dançada somente por homens. Hoje, os grupos já são mistos e acompanhados por violeiros que muitas vezes criam versos inéditos a cada apresentação. Em Natividade, a tradição segue forte. 

A CIDADE

O município de Natividade remonta às origens do Tocantins, ao Ciclo do Ouro, quando os bandeirantes enfrentaram a resistência dos indígenas Xavante e ocuparam a região Norte de Goiás, entre 1724 e 1734, dando origem ao primeiro povoamento do estado. As relações entre colonizadores, escravos, mineiros, sertanistas, missionários e criadores de gado resultaram no Sítio Histórico reconhecido pelo IPHAN como Patrimônio Nacional. O casario com cerca de 250 prédios coloniais e igrejas preservadas, entre ruas estreitas e muros de pedra construídos por escravos, guardam a memória do Tocantins.


ENCONTRO DE CULTURAS

Vindos do Tocantins, os Catireiros de Natividade se apresentaram no palco do X Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, em 2010. A repórter Giovanna Beltrão, colaboradora do Encontro, relata como foi:

Foliões por excelência, cantaram várias rodas de catira e algumas catiras originais. Segundo Belarmino Rumão, líder do grupo, a roda de catira tem um ritmo de se tocar, dançar e cantar e a catira original tem um ritmo mais lento e um toque diferenciado. "Ela é mais explícita, você consegue explicar melhor o que você está falando para o público", explicou.

Formado pelos vocalistas Belarmino Rumão e Patrício Santana e mais quatro integrantes, o grupo iniciou a apresentação com uma homenagem a São Jorge e ao Encontro de Culturas. Eles escreveram a música no caminho de Natividade para a Vila. Com exceção do Canto a Nossa Senhora, que é uma canção típica dos giros de folia de Natividade, todas as músicas apresentadas foram compostas por Belarmino. Uma curiosidade é que os Catireiros de Natividade participaram da primeira edição do Encontro, em 2001.

No repertório da apresentação estavam as rodas de catira Faculdade da Vida, Exemplo de Família, Lágrimas da Natureza, Denúncia Ecológica, Diga Não à Violência e Presente e Futuro. Eles ainda apresentaram as catiras Meio Ambiente e Homenagem de Amigo. Deixando transparecer em suas letras seus desejos, sua sabedoria e até mesmo suas decepções, o violeiro contou o que lhe inspirou ao escrever algumas de suas músicas:

Lágrimas da Natureza
Autor: Belarmino Rumão

Eu não me canso de falar da natureza,
Pois defendê-la é a minha vocação,
Eu não agüento ver os animais presos,
Capturados no maldito alçapão.

Tenho pedido para abrir as gaiolas,
Deixar os bichos viver livre no sertão,
Pois todos temos direito à liberdade,
Que mal fizeram pra viver numa prisão?
E a natureza eu tenho certeza que chora,
Vendo seus filhos irem embora,
Na maior judiação,
E muitos morrem enquanto 'tão' transportando,
Os outros cantam chorando,
Para alguém ganhar milhão.

Faço um pedido para as autoridades,
Cuidar melhor de todos os animais
Sinto um aperto no peito quando eu vejo,
Tristes matérias que passam nos jornais.

Olhando bem os nossos campos e cerrados,
Brejos e matas, o silêncio que faz,
Tá precisando que nossos legisladores,
Faz leis mais duras pra crimes ambientais.
E a natureza eu tenho certeza que chora,
E os filhos que foram embora, pra casa não voltam mais,
Daqui uns tempos, se continuar assim,
Pra se ver um passarinho, tem que ir nos pantanais.
Olhando bem para a nossa Amazônia,
E a Mata Atlântica os homens 'tão' depredando,
Quantas clareiras, carvoeiras e garimpos,
Nos pantanais, o lixo tá flutuando.

Pra todo lado, as matas 'tá' devastada,
Que só se ouve as motosserras zoando,
Espanta os bichos e assoreia os rios,
E o planeta com isso tá esquentando.

Vamos mostrar isso pros jovens nas escolas,
Para amanhã eles estarem preservando,
Que a Amazônia é o pulmão do mundo,
É o oxigênio que estamos respirando.
A natureza eu tenho certeza que chora,
Pois 'tá' vendo toda hora as suas árvores tombando,
O verde e a água geram vida e pureza,
E as lágrimas da natureza, 'vai' cobrar do ser humano.

Faculdade da Vida

"A Faculdade da Vida é um desejo que eu tinha de ter estudado. Eu não tive como dar sequência aos meus estudos. Estudei até a quarta série na fazenda, mas como morava a 35 quilômetros da cidade, não tive como prosseguir. E a minha professora não tinha como me ensinar mais. A música eu fiz porque não aprendi na escola com os professores, mas aprendi na escola da vida".

Exemplo de Família

"Exemplo de Família é uma música na qual eu me recordo como meus pais ensinaram a mim e aos meus irmãos. Todos os exemplos que eu sigo na vida foram eles que me deram. Eles nos ensinaram a ter respeito pelos outros, a não brigar na rua, a ter responsabilidade, como trabalhar na roça, como viver do nosso esforço. As histórias que a minha mãe contava sempre tinham algum fundamento. Tudo isso eu guardo no meu coração. Então, recordando tudo isso eu escrevi essa música".

Lágrimas da Natureza

"Essa eu escrevi quando eu vi uma reportagem que mostrava o tanto de lixo flutuando no Pantanal, que é um lugar que devia ser preservado. As clareiras na Amazônia, os peixes mortos boiando, tudo isso me incomoda. E eu sempre vou escrevendo uma melodia a respeito daquilo que incomoda. Uma coisa que me chama a atenção é o tráfico de animais silvestres. Cada composição minha é uma cobrança que eu faço dentro de mim"

Denúncia Ecológica

"Quando eu morava na fazenda, eu gostava de caçar. Quando eu fui pra cidade, até uns dois anos depois, eu pegava a minha espingarda e ia tentar pegar uma caça. Uma vez eu fui e não consegui pegar nada, fui pescar e não peguei nada. Foi o que faltava pra eu tomar consciência ambiental, porque aí eu pensei: 'se eu não tivesse matado nenhum bicho, talvez eles estariam aqui hoje'. A partir desse dia eu vendi a minha espingarda e nunca mais dei um tiro em um animal. Eu também fui um depredador e tomei consciência disso. Daí nasceu a Denúncia Ecológica".

Diga Não à Violência

"Essa eu fiz quando sequestraram o irmão do Zézé de Camargo, o rapaz era deficiente e foi raptado e maltratado por que os sequestradores queriam o dinheiro do irmão. Os sequestradores não estão respeitando nem quem é deficiente. Eu fico vendo o quanto a juventude tá morrendo sem explicação, e isso me caiu na preocupação. Eu quero que cada música minha seja como uma filha que leve uma mensagem de conscientização pra as pessoas".

Presente e Futuro

"Natividade é uma terra de muitas riquezas, tem uma serra de frente. E um dia subindo lá em cima, eu fui até as ruínas. De lá das ruínas nasceu essa música. Quando eu vi a lagoa lá embaixo, a água cristalina. Ao descer da serra a gente passa por muitas escavações dos escravos. O que eu quero dizer na música é que a cidade atrai muitos turistas e os gestores municipais ainda não se preocuparam em melhorar a maneira de chamar o povo pra cidade. Nós temos muitas coisas que atraem os turistas, mas não temos a estrutura. Essa música é até uma cobrança aos gestores, o futuro está ali pertinho, mas ainda temos muito que melhorar".


   

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