Renata Mattar vem pesquisando cantos de trabalho há 20 anos, fazendo gravações, participando de rituais e festas, aprendendo cantigas e versos. O primeiro contato com trabalhadores rurais aconteceu na comunidade de Vila Fernandes, em Arapiraca (AL), quando conheceu as Destaladeiras de Fumo, mulheres que trabalharam cantando nos salões das fazendas de fumo. A partir daí, a musicista iniciou sua pesquisa e até hoje segue descobrindo e visitando comunidades onde essa tradição ainda sobrevive.
A partir do material recolhido por Renata, surgiram o CD e o espetáculo Cantos de Trabalho, em 2007. De lá pra cá foram inúmeros shows pelo Brasil com a presença das trabalhadoras rurais de Arapiraca, o que motivou aquela comunidade a valorizar a sua própria cultura, que estava perto de desaparecer.
Em julho de 2017 veio o convite do selo Sesc para a realização do CD Cantos de Trabalho II, que homenageia os trabalhadores rurais de Serra Preta na Bahia, com as suas lindas batas do milho e de feijão.
O espetáculo Cantos de Trabalho II, com direção geral de Renata Mattar e arranjos de Gustavo Finkler, une as canções do segundo CD a algumas do primeiro registro, dando um panorama bastante completo da produção do grupo.
CANTOS DE TRABALHO
Começamos a cantar antes de falar. Evidências antropológicas assinalam que o uso da voz para formar palavras surgiu há cerca de 80 mil anos, ao passo que o canto primitivo teria se iniciado meio milhão de anos antes.
A música fez, primariamente, parte do trabalho e o canto surgiu como uma extensão natural da lida, com o ritmo a sincronizar as tarefas. Na pecuária e na agricultura, a música tornou-se vital para a realização do trabalho. Além disso, facilitava o aprendizado dos novos trabalhadores, que tinham nas canções as instruções para a realização do trabalho.
O trabalho era acompanhado das mais belas cantigas, onde homens e mulheres improvisavam versos, falando de amor ou da própria colheita, comemorando a safra ou pedindo chuva. Muitas vezes, o trabalho seguiria até a madrugada, tamanho era o prazer de estar cantando em grupo quando trabalhavam.
Ao cantar, nossa sensação de esforço diminui e a produção aumenta. São inúmeros os depoimentos de trabalhadores rurais que relatam que o trabalho, ainda que duro e incessante, transforma-se em festa ao darem-se os cantos.
Pela sua enorme variedade e pela forma original com que as cantigas são realizadas, o canto de trabalho tornou-se uma peça única dentro da cultura brasileira. As letras são criadas com tamanha originalidade e criatividade que é difícil não se deixar seduzir pela beleza e pela sinceridade dos textos.
Mesmo que muitas vezes vivam em situações de extrema precariedade, quando podemos ouvir o canto daqueles trabalhadores, a abertura de vozes que fazem sem nenhum aprendizado e a delicadeza e profundidade das letras não condiz de maneira alguma com a pobreza circundante.
Com a chegada da tecnologia na realização dos trabalhos, o aparecimento do rádio e, principalmente, da TV, essas reuniões foram desaparecendo, pois de acordo com os próprios, a TV isolou os trabalhadores nas suas casas. As cantigas de trabalho começaram a ser esquecidas e entraram em cena as músicas da parada de sucessos.
Por ser um país onde grandes extensões de terra permanecem sem a chegada da tecnologia (ausência essa imprescindível para a existência dos cantos de trabalho), boa parte do interior do Brasil segue organizando o seu trabalho braçal em mutirões.
Hoje em dia, são poucas as pessoas que lembram daquelas cantigas. Mesmo assim, é perfeitamente possível encontrar grupos que não só tenham firmes na lembrança seus cantos de trabalho como, ainda hoje, há locais no Brasil onde esta tradição segue sendo praticada.
Cia Cabelo de Maria
Renata Mattar – direção geral, pesquisa e voz
Gustavo Finkler – arranjos, violões de nylon e de 12 e voz
Clara Dum – flauta e pífano
Micaela Marcondes – violino
Renato Farias – trombone
Tiago Daiello – baixo acústico
Ari Colares – percussão e voz
Talita Del Collado – percussão e voz