Lia de Itamaracá
Cultura tradicional

Lia de Itamaracá

Maria Madalena Correia do Nascimento nasceu no dia 12 de janeiro de 1944, na ilha de Itamaracá, Pernambuco. Sempre morou na Ilha e começou a participar de rodas de ciranda desde os 12 anos de idade. Foi a única de 22 filhos a se dedicar à música. Segundo ela, trata-se de um dom de Deus e uma graça de Iemanjá. Mulher simples, com 1,80 metros de altura, canta e compõe desde a infância e hoje é considerada a mais famosa cirandeira do Nordeste. Trabalhou como merendeira em uma escola pública da rede estadual de ensino até 2008, quando recebeu da Fundarpe o título de Embaixadora da Casa da Cultura do Recife. Nas horas vagas, dedica-se à musica e à ciranda, além de cantar e compor cocos de roda e maracatus.

No ano de 1998, quando foi uma das atrações do Abril pro Rock, começou a seguir carreira artística paralela ao seu ofício de merendeira. A partir de então, a cirandeira foi convidada para participar de apresentações pelo Brasil e no exterior. Hoje, Lia de Itamaracá é considerada Patrimônio Vivo da Cultura de Pernambuco.

A compositora Teca Calazans foi uma das primeiras pessoas interessadas na cultura popular nordestina a descobrir o seu talento. Acabaram fazendo alguns trabalhos em parceria, como o resgate de músicas em domínio público e composições. Maria Madalena começou a ficar conhecida como Lia de Itamaracá nos anos 1960. Foi fonte de um refrão famoso, recolhido pela compositora Teca Calazans: Oh cirandeiro/cirandeiro oh/ a pedra do teu anel brilha mais do que o sol. A estes versos, Teca incorporou uma toada informativa, que também teve grande sucesso: Esta ciranda quem me deu foi Lia/ que mora na ilha de Itamaracá.


ABRIL PRO ROCK

Em 1977, Lia gravou seu primeiro disco, intitulado A rainha da Ciranda, pelo qual recebeu apenas 20 exemplares para distribuir e nenhum centavo. Mais de duas décadas depois, foi redescoberta, quando o produtor musical Beto Hees a levou para participar do festival Abril Pro Rock, realizado no Recife e em Olinda, em 1998, onde fez grande sucesso e tornou-se conhecida em todo o Brasil.

Antes ela só era famosa em Pernambuco e entre compositores e estudiosos da cultura popular nordestina. Em 2002, saiu seu primeiro CD, Eu Sou Lia, lançado pela Ciranda Records e reeditado pela Rob Digital, cujo repertório incluía coco de raiz e loas de maracatu, além de cirandas acompanhadas por percussões e saxofone. Por ocasião do lançamento, apresentou-se em outras capitais e ministrou workshops.

O CD foi distribuído na França por um selo de world music e a voz rascante de Lia chamou a atenção da imprensa internacional, que começou a batizar suas canções de trance music, numa tentativa de explicar o "transe" que o som causava no público.


Mesmo obtendo um sucesso tardio, fez turnês internacionais obtendo muitos elogios. O jornal The New York Times a chamou de "diva da música negra". No Brasil, Lia também conquistou mais espaço. Participou com uma faixa no CD Rádio Samba, do grupo Nação Zumbi, teve seu nome citado em versos dos compositores pernambucanos Lenine e Otto e críticos de música a comparam a Clementina de Jesus.

No show Ciranda de Ritmos, nome do álbum lançado em 2010, Lia abre, em seu palco, espaço para o coco de roda e o maracatu. Diferente dos trabalhos lançados anteriormente, como Rainha da Ciranda (1977) e Eu sou Lia (2000), a artista incorporou ao repertório as canções do coco de roda, acompanhadas pelas vozes de Severina e Dulce Baracho, filhas do conhecido cirandeiro Antônio Baracho, um dos mais importantes nomes da cultura de Pernambuco.

O maracatu também ganha força na apresentação, com músicas tradicionais das agremiações do estado, como em Verde Mar de Navegar, de Capiba.

ENCONTRO DE CULTURAS

Lia de Itamaracá: a cultura viva subiu no palco IX Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, em 2009, para mais uma apresentação. A maneira como Lia entra é diferente. Existe uma presença, um traje especial, um sorriso no rosto. A banda começou a soltar os primeiros batuques e o público já começou a dar as mãos.

Uma das características marcantes da artista é a ciranda. "Boa noite, eita mais isso aqui tá muito bom. Segue com a ciranda", cumprimentou. E o público, entendendo o recado, começou a fazer algumas rodas, uma grande incorporando as rodas menores. Em um ritmo único todo mundo começou a girar e brincar de ciranda e, apesar da sintonia, cada pessoa tinha um jeito singular de dançar, o que dava uma característica muito bonita à dança.

"Eu sou Lia da beira do mar
Morena queimada do sal e do sol
Da Ilha de Itamaracá

Quem conhece a Ilha de Itamaracá
Nas noites de lia
Prateando o mar
Eu me chamo Lia e vivo por lá

Cirandando a vida na beira do mar..."

Bum...Bum...Bum! O som de Lia é contagiante, e Lia é forte do início ao fim do show. As únicas pausas que fez foi para saudar o público ou sorrir, em uma troca de energia magnífica. "Quantos olhos lindos, meu Deus", dizia para o público.

Depois de muito balanço, Lia tentou encerrar o show pela primeira vez. E o público respondeu com a clássica pedida de mais uma canção, uma espécie de coral ensaiado "mais um, mais um, mais um..."


Atendendo aos pedidos, a cantora voltou para o palco, não só uma, mas duas vezes. E finalizou sua apresentação cantando a música "Adeus meu senhores, queiram desculpar. Até outra vista se Deus ajudar, adeus já é tarde, nós vamos partir e o dia amanhece, Lia vai dormir... dormir... dormir...".

Lia deu a honra de uma entrevista ao Encontro de Culturas, feita ao repórter Caio Sena:

Lia de Itamaracá, para começar a entrevista, você podia falar um pouco de onde você tira essa alegria e energia que está presente no seu show?
Eu tiro minha energia do amor que tenho pelo que faço, do amor que tenho com o público, porque se eu não tenho amor e alegria, como eu vou repassar? A gente não pode transmitir o que não tem.

Como foi o início de sua carreira? Como se interessou pela música?
Eu comecei cedo, com 12 anos de idade. No início eu apresentava em praças e também fazia ciranda nos finais de semana, em um restaurante onde eu trabalhava. Quando a pessoa nasce com o dom, não tem jeito, ninguém barra. Meu sonho sempre foi cantar. Em 1977 gravei meu primeiro LP, A rainha da ciranda, queesgotou e eu não tive a oportunidade de regravar. Em 2002 gravei meu primeiro CD, Eu Sou Lia e em 2008 o segundo CD Ciranda de Ritmos.

Qual é a relação da sua família com a música? Você foi a primeira?
Na minha família ninguém canta e ninguém dança, não sabem nem por onde passa. Eu fui a única de 22 irmãos.

Onde você procura inspiração? Como você faz suas composições?
Pra começar a compor, tenho que estar bem calma e tranquila, aí a composição vem. Itamaracá me inspira muito. Quando eu faço composição de ciranda, eu vejo a parte católica e espiritual. A música que eu mais tenho orgulho de ter feito a composição foi Quem me deu foi Lia. Porque foi inspirada em uma pessoa que abriu as portas pra mim, essa música foi uma luta, quando eu tentei gravar no LP de 1977 outra pessoa correu na frente e gravou, então eu não pude gravar minha própria canção, e quando uma coisa é nossa a gente luta e vai até o fim, foi isso que eu fiz, e consegui colocar no meu último CD.

O que o festival Abril Pro Rock significou para você e para sua carreira?
Foi uma maravilha, já pensou Lia no meio dos roqueiros? Foi muito bom. Quando eu recebi o convite pensei: é agora... é agora que a banda vai tocar mesmo, com garra. E foi um sucesso parecia que eu já tinha ensaiado com eles, foi um chamego tão grande que até hoje eu me lembro, tenho muita vontade de tocar de novo. Casou a ciranda com o rock, já pensou? Eu não esperava que fosse tão bom. Pensei que não ia dar em nada mas foi um empurrão na minha carreira.

O jornal The New York Times uma vez falou que você é a "diva da música negra". O que você acha sobre isso?
Eu acho uma maravilha. Quanto mais me valorizam mais eu gosto. Eu adoro, oxênte!

Durante a turnê você viajou bastante, que lugar você gostou mais de conhecer?
Cada lugar me surpreendia de uma forma diferente. Eu adoro sair e levar cultura, voltar com cultura. Eu sempre volto melhor, mais leve. Mas nenhum lugar é igual Itamaracá.

De onde vem a ideia de sua roupa?
Vem de Iemanjá, eu gosto muito de me vestir assim porque Iemanjá é uma corrente muito boa. Tudo que eu quero eu consigo, mas Deus está em primeiro lugar pra mim.

O público demorou pra deixar você se despedir. Como é tocar aqui em São Jorge?
Muito bom, aqui podemos juntar as raízes, os mestres. Foi maravilhoso. Eu queria um convite desse todos os dias (risos). É cultura. Eu gosto de me misturar no meio do povo como uma artista.

   

Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge. Direitos reservados.