Os Yawalapiti vivem na porção sul do Parque Indígena do Xingu - região conhecida como Alto Xingu -, onde vivem outros grupos indígenas que falam diferentes línguas, mas possuem modos de vida semelhantes, interagem para trocas comerciais, casamentos e cerimônias inter-aldeias.
O nome Yawalapiti significa "aldeia dos tucuns", região onde moraram no passado (entre o Posto Diauarum e o travessão Morená - sítio próximo à confluência dos rios Kuluene e Batovi). Atualmente, os Yawalapiti vivem às margens do rio Tuatuari, afluente do Batovi, na Terra Indígena do Xingu, que abrange área dos municípios de São Félix do Araguaia, Canarana e Paranatinga, no Mato Grosso.
Depois de quase serem extintos em 1953, quando eram apenas 28 indivíduos, o grupo começou a crescer de forma espontânea. Segundo dados da Unifesp, em 2002 existiam 208 indígenas Yawalapiti. Atualmente existem 156 (Ipeax, 2011).
Organização
A aldeia típica dos Yawalapiti é construída em formato circular, assim como as aldeias xinguanas. No centro de uma praça fica a casa destinada à ocultar as flautas sagradas, que não podem ser vistas pelas mulheres. Ao redor da praça central são construídas as casas, geralmente de planta elíptica e cobertas de sapé, feitas, na maioria das vezes, pelos homens. A casa é ponto de encontro masculino e também lugar da aldeia onde os índios fumam e conversam. No local, realizam lutas, recebem os visitantes, fazem seus discursos em relação ao ambiente de eventos cotidianos, como a produção de seus alimentos, onde moram, nascem, crescem, reproduzem e criam seus filhos. É, também, na casa o lugar onde fazem os rituais quando morre algum indivíduo.
O espaço interno da casa não comporta divisões, exceto a dos “gabinetes” onde ficam os adolescentes em reclusão pubertária, os casais com filhos recém-nascidos e os viúvos no período de luto. As separações se fazem, principalmente, no uso dos esteios que sustentam a extremidade interior das redes que armam nos cômodos, sendo um esteio para cada família nuclear. Formando um leque, as redes são penduradas ao longo das paredes, deixando o espaço central para circulação próximo às portas, que se abrem no eixo maior da casa, uma voltada para a praça e outra para o exterior. É perto dessas portas que se sentam aqueles que precisam de luz para realizar alguma atividade, pois o interior da casa é muito escuro.
No centro da casa, ao lado da porta traseira, há um fogo comunal para a fabricação de beiju, mas cada casal possui também um fogo próprio, junto às suas redes, para cozinhar e se aquecer. A água é guardada em grandes panelas que ficam geralmente junto aos esteios centrais da casa, perto da porta da frente.
Atividades e cotidiano
Os Yawalapiti possuem como base de suas atividades a agricultura e da pesca. A caça está basicamente ligada a algumas aves como jacu, mutum, macuco, pomba e eventualmente os macacos-prego. Além de servir com alimento, as aves fornecem penas, que são utilizadas para a confecção de enfeites. Algumas aves são, também, tidas como animais de estimação. A agricultura concentra-se no cultivo da mandioca brava (maniot utilissima), mas outras variedades de mandioca são plantadas em menor quantidade. Milho, banana, algumas espécies de feijão, pimenta, tabaco e urucum são algumas das outras espécies cultivadas.
Os rios da região são abundantes em peixe e, na época da seca, quando os rios baixam, os Yawalapiti utilizam redes (não indígenas), anzóis, flechas e timbó (cipó cuja seiva asfixia os peixes) para a obtenção deste alimento. A pesca é considera uma atividade masculina dentro da aldeia. A preparação dos peixes para uma refeição acontece de formas variadas. Os peixes podem ser assados direto no fogo, moqueados (colocados sobre jiraus a fogo lento) ou cozidos.
O sal tradicionalmente usado na alimentação era fornecido, principalmente, pelos Mehinako e provinha do cozimento das cinzas de uma planta aquática. As grandes panelas de preparação da mandioca provêm dos Mehinako e Wauja, que são as que fabricam.
A mandioca é plantada pelos homens, que derrubam, queimam e limpam as roças. Estas propriedades masculinas são assumidas quando o jovem entra em reclusão (dos 14 aos17 anos). Esses direitos de propriedade não incidem sobre a terra como tal, mas, apenas, sobre a plantação de mandioca. As mulheres arrancam as raízes, carregam-nas, ralam-nas e espremem seu suco venenoso.
Depois que os homens fazem a pesca, a preparação do alimento na cozinha pode ser feita tanto por eles mesmos quanto pelas mulheres da casa. A manipulação da mandioca depois de plantada, contudo, é inteiramente feminina. As mulheres são também encarregadas do fornecimento de água na aldeia. São elas que fiam o algodão (também de plantação própria), tecem as redes e as esteiras de espremer mandioca, e preparam a pasta de urucum, o óleo de pequi e a tinta de jenipapo, usados na ornamentação corporal. Os homens fazem os cestos e os instrumentos cerimoniais (flautas e chocalhos). Realizam, também, todos os trabalhos em madeira (bancos, arcos, pilões, pás de virar o beiju, etc.). São ainda os homens que constroem as casas.
Rituais
Para os Yawalapiti, o mundo mítico é um passado que não se liga ao presente por laços cronológicos restritos. Assim, o mito existe como referência temporal e espacial, mas, principalmente, comportamental. O ritual é, portanto, um momento em que o cotidiano está mais próximo do modelo ideal mítico, sem no entanto atingi-lo.
A maioria dos rituais originou-se da visita de um humano a um dos domínios - terra, água e céu - que constituem esferas bem marcadas na classificação Yawalapiti, definindo as linhas mestras da classificação animal e recebendo valores cosmológicos distintos. A terra é diversificada, conforme a vegetação e a referência a eventos míticos. A distinção principal nesse domínio é entre a "selva" (ukú), onde moram animais e espíritos, e a aldeia (putaka), morada dos humanos. Nos rios (uiña) e lagoas (iuiá), além dos peixes, moram a maioria dos espíritos importantes para os Yawalapiti. No céu (añu naku; añu taku) residem as almas dos mortos - o império dos pássaros, chefiados pelo urubu bicéfalo, "dono do céu". Na "barriga da terra" (wipiti itsitsu), embaixo do chão, mora uma mulher-espírito, gorda, com um seio só; ela amamenta os mortos femininos e copula com os masculinos; é a "dona da terra".
Segundo a mitologia Yawalapiti, a fabricação primordial dos humanos foi levada a cabo pelo demiurgo Kwamuty, que, soprando fumaça de tabaco sobre toras de madeiras dispostas em um gabinete de reclusão, deu-lhes vida. Ele criou, assim, as primeiras mulheres, e, entre elas, a mãe dos gêmeos Sol e Lua, protótipos e autores da humanidade atual. Essa mulher foi a primeira mortal em cuja honra se celebrou a primeira festa dos mortos, itsatí (ou kwarup, em kamaiurá), a principal cerimônia inter-aldeias do Alto Xingu.
Quando nasceram os gêmeos Sol e Lua dessa mulher, vivia-se um tempo de caos, dominado pela noite e a podridão (as aves defecavam sobre as pessoas), não havendo fogo nem roças. Os vagalumes eram a única luz acessível aos homens. Os gêmeos conseguiram, então, obter o dia do "dono do céu" (añu wikiti), o urubu invisível de duas cabeças, atraindo-o por meio de uma isca podre. Este urubu comanda os pássaros, que deram o dia (a luz) aos homens, sob a forma de adornos feitos com as penas da arara vermelha (o sol mítico usa cocar e braçadeiras feitos de penas dessa ave).
Além de compartilharem uma série de costumes, concepções e rituais inter-societários, outro marco distintivo dos índios do Alto Xingu é um ideal de comportamento respeitoso e recatado, cujas categorias-chave, na versão Yawalapiti, são parikú (vergonha) e kamika (respeito). Parikú refere-se a um estado psicológico do indivíduo, geralmente acionado quando há uma transição ou confusão de papéis - como entre reclusos ou entre possíveis esposos, ou inferioridade hierárquica -, como entre genro e sogro ou, no caso das mulheres, em meio aos homens. Já kamika é atributo de certas relações e papéis sociais, remetendo ao comportamento pacífico e previsível, bem como à generosidade e respeito aos afins e àqueles hierarquicamente superiores. É respeito, mas é, também, "medo", na tentativa de evitar coisas perigosas. Ao contrário do kamika típico dos alto-xinguanos, associado ao adjetivo mañukawã ("manso", "calmo"), existe o comportamento kánuká, violento e imprevisível, típico dos warayonaw (índios de fora do Alto Xingu).